Na era do streaming, artistas variam gêneros musicais para entrar nas playlists da moda
RIO — A arrancada popular dos serviços de streaming — que desde 2017 passaram a faturar mais do que a venda de mídias tradicionais — alterou também a forma como consumimos música e, por consequência, vem impactando a produção de artistas e gravadoras. O principal elemento de disrupção nesse processo é a popularidade das playlists, de onde grande parte das reproduções em plataformas se origina — 40% do consumo total, de acordo com a Deezer, segundo colocado no mercado brasileiro.
Estar em uma (ou várias, de preferência) playlist popular é a saída para se destacar em meio ao volume colossal de faixas incluídas nos sistemas semanalmente. As músicas que conseguem entrar nas 50 disputadas vagas de listas como “Today’s top hits” (com 21,6 milhões de assinantes no Spotify) ou “Top Brasil” (3,7 milhões) ganham o rótulo de sucesso instantâneo e, com ele, os royalties.
Para além das listas de “mais tocadas”, geradas por algoritmos, existem as temáticas, alimentadas por equipes de curadores contratados. E é aí que soluções criativas começam a aparecer. Cada vez mais, artistas têm buscado atacar em diversos gêneros musicais (sejam composições próprias ou parcerias, os “feats”) para figurar em listas voltadas a vários públicos.
— Os crossovers têm ficado muito populares no mundo inteiro. Hoje, o conteúdo é o que manda. O digital acabou com a limitação do espaço físico e fez com que se pudesse ter muito mais subgêneros do que havia antes — explica Paulo Lima, presidente da Universal Music, gravadora que investiu em misturar os sertanejos Matheus & Kauan com o pop de Anitta (“Ao vivo e a cores”) e o folk de Anavitória (“Fica”).
Guilherme Figueiredo, diretor de marketing e digital da Som Livre, reconhece que “as tendências existem, principalmente as das misturas e adaptações”.
— “Mentalmente”, faixa com Naiara Azevedo e Kevinho, foi bem em playlists completamente diferentes, de sertanejo e de funk, mas principalmente na de funknejo, que é uma novidade. Outro caso foi do “Energia surreal”, do Thiaguinho, um artista de samba, que trouxe mais audições depois que fizemos uma versão acústica e ela entrou nas playlists “Desplugado” e “Cafezinho” do Spotify ( respectivamente, com 1 milhão e 280 mil assinantes ).
A movimentação dos artistas acabou ganhando o incentivo das próprias plataformas. Tais subgêneros viraram novas playlists, hoje populares, como “Funknejo” (com 575 mil seguidores no Spotify), “Forronejo” (102 mil), “Pagofunk” (78 mil) e “Hip-pop” (22 mil).
Anitta é outro exemplo de bom uso dos crossovers . “Downtown”, sua música com o maior número de reproduções, é uma dobradinha com o astro do reggaeton J Balvin e teve seu lançamento exclusivo pela playlist do Spotify “Viva latino”, que tem 8,9 milhões de seguidores.
Na Deezer, a política dos artistas, segundo o diretor geral Bruno Vieira, tem sido a de lançar muitos singles antes de um álbum, “para ter sempre uma novidade, o que é muito importante para entrar nas playlists da semana”. Um caso excepcional foi o de Zé Neto & Cristiano, que decidiram guardar as músicas para lançá-las juntas num álbum — e, hoje, são os artistas mais ouvidos na Deezer Brasil, com quatro músicas no top 10.
— Mas o que aconteceu aí foi uma estratégia muito bem pensada com a gravadora e o escritório deles. Geralmente, um artista quando lança o álbum fica tendo que pensar em outras novidades para as semana seguintes — lembra.
Não só os singles têm se tornado híbridos, mas também álbuns inteiros. Favorito a liderar as paradas americanas desta semana, “Trench”, do Twenty One Pilots , mostra que artistas podem ser plurais em termos de gêneros sem necessariamente se reunir com outros. Diferentes faixas do disco estão em playlists de pop (“Pop up” e “Pop rising”), rock (“Rock this”) e indie rock (“Indie stage”).
— Nunca foi intencional pensar “agora vou escrever uma música r&b, agora um reggae, e depois uma com pegada mais indie” — despista o cantor e compositor Tyler Joseph. — Eu deixo a música ter vida própria. Quando vejo, uma não tem nada de parecido com a outra. Você pode questionar se elas deveriam fazer parte do mesmo disco. Para mim, sim, porque elas vêm do mesmo lugar.
Lançado no começo do mês , “Não para não”, de Pabllo Vittar já figura em diferentes listas. Álbum pop por essência, ele traz influências de gêneros como pagode baiano, tecnobrega, carimbó e trap , além de parcerias com o sambista Dilsinho e com a pop funkeira Ludmilla.
— Não tivemos essa maldade de pensar em fazer músicas para diferentes playlists, mas é lógico que vem na cabeça que, se você está fazendo uma coisa aberta, atinge mais gente. Hoje em dia, as pessoas não escutam mais o gênero x ou y. Não dá mais para ser o Ramones — explica Rodrigo Gorky, produtor dos álbuns de Pabllo.
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