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Equador aprova extradição de cidadãos em plebiscito marcado pela violência

Por Folha de São Paulo

22/04/2024 18h00 — em
Mundo



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Equador mudou uma regra de quase 80 anos ao aprovar em plebiscito realizado neste domingo (21) a possibilidade de extradição de seus cidadãos. A votação visava consultar a população acerca do endurecimento de leis contra o crime organizado e foi marcada pelo assassinato do diretor de uma penitenciária.

A pergunta que versava sobre o tema era a principal entre as 11 que foram feitas aos equatorianos. O sim à extradição recebeu pouco mais de 60% de apoio, enquanto o não recebeu 39% do total de votos, segundo a apuração do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) até esta segunda-feira (22).

Os resultados apontam que a maior parte população respondeu positivamente a nove perguntas, que tiveram entre 60% e 73% de apoio. As respostas negativas prevaleceram em duas consultas que não tinham ligação com segurança pública —uma permitia o estabelecimento de um contrato de trabalho por horas e a outra reconhecia a arbitragem internacional para a solução de controvérsias comerciais.

As mudanças devem dar um protagonismo inédito às Forças Armadas no combate às drogas. Embora a presença militar seja bastante ativa atualmente e ocorra por meio de decretos de estado de exceção (comuns no país) e declarações de conflito armado interno (como a que o Equador vive hoje, contra as gangues), o plebiscito buscou anular essas exigências e fazer com que a decisão para enviar os militares dependa somente de um despacho do chefe da polícia local e do presidente.

Cerca de 13,6 milhões dos 17,7 milhões de habitantes foram chamados para votar nas 11 questões propostas pelo presidente Daniel Noboa, para quem o plebiscito serve como um termômetro na possível campanha pela reeleição em fevereiro de 2025.

Segundo o professor Pablo Medina, de ciências políticas da Universidade San Francisco, o apoio "pode ser contraproducente", apesar de favorecer o Executivo em uma primeira análise. Isso porque os equatorianos exigirão respostas rápidas.

"Os cidadãos vão dizer: 'demos todas as ferramentas que vocês disseram que eram extremamente importantes para poder lutar contra o narcotráfico e garantir a segurança. Agora nós queremos os resultados'", afirmou.

Noboa, que foi eleito em um pleito atípico para um período de 18 meses, carrega uma popularidade de 69%. Ele declarou guerra às organizações ligadas a cartéis no México e na Colômbia após uma onda de violência em janeiro, com cerca de vinte mortes.

O político também militarizou as prisões —que se tornaram centros de operações de traficantes e de massacres sangrentos entre prisioneiros que deixaram mais de 460 mortos desde 2021— e reduziu momentaneamente a taxa de homicídios, mas a violência piorou no último mês.

A presidente do CNE, Diana Atamaint, chegou a afirmar que a votação ocorria em um "ambiente de segurança e tranquilidade". Mais tarde, o diretor penitenciário Damián Parrales foi morto a tiros enquanto os cidadãos iam as urnas, num caso descrito como um atentado por autoridades.

O número de homicídios no país cresceu mais de 500% nos últimos cinco anos, de acordo com dados oficiais. Há muito, porém, analistas apontam que as forças militares são uma solução paliativa para os altos índices de violência no Equador, mas não definitiva.No país onde o narcotráfico fincou raízes, estabeleceu uma máquina de lavagem de dinheiro e tem expulsado dezenas de milhares de pessoas que todos os meses buscam rotas perigosas de migração para fugir, especialistas apontam que é preciso fortalecer a Justiça e o Ministério Público para que investigações asfixiem a cúpula das principais organizações criminosas e seus vínculos com a política.

Os equatorianos, no entanto, votaram por políticas linha-dura.

A extradição de cidadãos do país é proibida pela Constituição desde 1945. A população já havia sido consultada sobre o assunto em fevereiro de 2023, antes do assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio, e o não venceu com 52% na ocasião, de modo que a regra seguiu em vigor.

À agência de notícias AFP, a professora Alexandra Rocha, 25, disse ter votado a favor da extradição. "Sinto que as leis aqui não são suficientemente fortes para que as pessoas que cometem um crime paguem pelo que estão fazendo", justificou.

Já Dulce Negrete, 61, afirmou ter respondido não para todas as questões. "Não estou satisfeita com esse tipo de governo, nos levou a um desastre total. A extradição não serve para nada."

O ex-presidente Guillermo Lasso manifestou apoio ao plebiscito em suas redes sociais no domingo. "Meu voto é em apoio aos militares e policiais que enfrentam o crime diariamente, pela extradição dos narcotraficantes e por mais oportunidades para os equatorianos. As mudanças positivas que esta consulta popular trará permanecerão, independentemente de quem estiver no poder", escreveu.

Além da segurança, as cédulas também traziam questões ligadas à política econômica. Uma das propostas criticadas pela oposição sob o argumento de beneficiar os ricos e as empresas estrangeiras visa permitir que trabalhadores sejam contratados por hora, por exemplo.

Em entrevista à agência Reuters, a professora Susana Giraldo, 30, afirmou que aprovação do contrato por hora seria "um crime para os equatorianos pobres". Moradora de Guayaquil, ela disse acreditar que o plebiscito não resolverá a segurança da noite para o dia, e concordou com o argumento de que o pleito está sendo usado para aprovar leis em favor de empresas.

O plebiscito acontece em meio a uma onda de violência no país. Mais de dez políticos foram mortos a tiros desde 2023, quando os homicídios atingiram um recorde de 43 por 100 mil habitantes, em comparação com 6 em 2018. Só na semana passada foram dois prefeitos assassinados, no sul, e há um mês também a prefeita de um balneário no Pacífico foi morta.

Em paralelo, o Equador sofre também a maior crise elétrica de sua história. O governo sustenta que, além da seca iniciada em março, sabotagens e corrupção afetaram o funcionamento das hidrelétricas. Diante da emergência, o Executivo decretou feriados obrigatórios na quinta (18) e sexta-feira (19).


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